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segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Ética a Nicômaco. Liv III, cap 1 – 5: Ato Voluntário

 
Cap. I Ato Voluntário*

Ato voluntário e involuntário: uma força de ação original, explosiva, das paixões, e outra força da razão deliberativa, das escolhas, da ação, se estendem sobre a natureza voluntária ou involuntária dos atos humanos. Nelas, o exame da ignorância das circunstâncias, o fato do agente arrepender-se ou não. Se se arrepende, o ato é involuntário; se não se arrepende, embora o ato não seja voluntário, o ato não é propriamente involuntário, mas não-voluntário.

 A virtude se relaciona com paixões e ações (1109b30), e estas, quando voluntárias, se relacionam com honras e castigos; quando involuntárias, com perdão e piedade.

Paixões e ações voluntárias dispensam louvor e censura; as involuntárias, “merecem perdão e às vezes piedade” (1109b31). É importante ter em mente que ambos os termos devem ser usados com relação ao momento da ação, aquilo que acontece em determinada circunstância.

Involuntárias: causa exterior, o princípio não está no agente + o agente não conhece as circunstâncias da ação.

Ocorrem sob compulsão ou por ignorância (ignora as circunstâncias do ato e dos objetos). “E é compulsório ou forçado aquilo cujo principio motor se encontra fora de nós e para o qual nada contribui a pessoa que age e que sente a paixão” (1110a). Produz dor e arrependimento.

Não Voluntário: “tudo o que se faz por ignorância” (1110b17), mas não causa dor nem arrependimento.

Voluntário: o princípio está no agente + o agente conhece as circunstâncias nas quais a ação ocorre.

Os atos são escolhidos. O principio motor se encontra em nós (fazer ou não fazer). Somos responsáveis por nossas escolhas, temos uma finalidade que buscamos alcançar. Conhecimento, escolha certa e firmeza são condições necessárias à prática das virtudes.

Toda escolha deliberada é voluntária, mas nem todo ato voluntário (aquele gerado a partir de certo impulso) ocorre por escolha deliberada. É como ocorre com as crianças e os animais que possuem razão deliberativa apenas de forma parcial, incipiente.

Cap. II Impulso e o que não é Escolha

Segundo Aristóteles, animais e crianças participam de ações voluntárias mais não de escolhas. As ações voluntárias são impulsivas, acontecem no “estalão do prazer e da dor”; já as escolhas demandam reflexão, conseguinte de certa maturidade e experiência, cabendo à razão determinar a ação correta em cada circunstância. “Embora chamemos voluntários os atos praticados sob o impulso do momento, não dizemos que foram escolhidos” (1111b9).

O Impulso: três objetos de escolha instigam os homens: o nobre, o vantajoso e o agradável; e seus contrários, o vil, o prejudicial e o doloroso. “Medimos nossas primeiras ações pelo estalão do prazer e da dor” (1105a5).  Já a escolha envolve o pensamento.

Escolha não é Prazeres: o impulso é primário, comum às partes do irracional, relaciona-se mais com o agradável e o doloroso, assim como o apetitivo e a cólera; os atos inspirados no impulso “são considerados ainda menos objeto de escolha do que outros” (1111b19);

Escolha não é Desejo: “a escolha não pode visar a coisas impossíveis” (1111b20), escolhemos aquilo que julgamos capazes de realizar graças aos nossos próprios esforços. “O desejo se relaciona com um fim e a escolha com os meios” (1111b27). Desejamos saúde e escolhemos atos sadios. Desejamos a felicidade e atuamos com as coisas possíveis capaz de realiza-la.

Escolha não é Opinião: a opinião se relaciona com todo tipo de coisa possível e impossível, com verdadeiro e falso; a escolha se relaciona com o bom e o mau, com o belo. “A opinião geral não é idêntica a nenhuma espécie de opinião (...) por escolher o que é bom ou mau somos homens de um determinado caráter, mas não o somos por sustentar essa ou aquela opinião”; ou seja, quando escolhemos nos relacionamos com o objeto conveniente (reto, “sabemos ser o melhor”); quando opinamos nos relacionamos convenientemente com o objeto e, neste caso, seremos louvados se a relação for verdadeira.

Abrindo um parêntese: em biologia moderna, a transmissão do impulso nervoso: http://www.sobiologia.com.br/conteudos/Histologia/epitelio29.php

Escolha deliberada se relaciona com os meios para alcançar um fim. "É a determinação que a razão impõe no domínio prático” (ZINGANO, 2008, 12); ou seja, aquele esforço reflexivo e prático que demanda a realização de determinada ação, aquilo que está em nosso poder. No caso da saúde, por exemplo, não escolhemos com acerto a saúde, mas os meios para alcança-la: “desejamos gozar saúde, mas escolhemos os atos que nos tornarão sadios” (1111b27).

“A escolha envolve um princípio racional e o pensamento” (1112a17).

Cap. III Deliberação e Escolha

Não deliberamos sobre 1. Coisas eternas (como a matéria do universo); 2. Coisas em movimento que acontecem sempre do mesmo modo (como os solstícios); 3. Acontecimentos fortuitos (encontrar um tesouro); e 4. Alguns assuntos humanos (política exterior);

Deliberamos sobre coisas que nem sempre acontecem do mesmo modo, “que estão sob o nosso alcance e podem ser realizadas” (1112a30), a partir de nossos esforços, a exemplo da navegação ou tratamento médico. E como “causas admitimos a natureza, a necessidade, o acaso, e também a razão e tudo que depende do homem” (1112a31).

“Delibera-se a respeito das coisas que comumente acontecem de certo modo, mas cujo resultado é obscuro” (1112b9). Não deliberamos acerca de fins, mas a respeito de meios (1112b12).

Aquele que delibera investiga, analisa como agir: “Dão a finalidade por estabelecida e consideram a maneira e os meios de alcança-la; e, se parece poder ser alcançada por vários meios, procuram o mais fácil e eficaz; e se por um só, examinam como será alcançado por ele, e por que outro meio alcançar esse primeiro, até chegar ao primeiro princípio, que na ordem de descobrimento é o último” (1112b15).

Razão: “toda deliberação é investigação”. Investigação dos meios, como usa-los ou produzi-los, para alcançar o fim premeditado.
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Ação: “e o que vem em último lugar na ordem da análise parece ser primeiro na ordem da geração” (1112b24).

Buscamos realizar o que nos é possível. Aristóteles entende coisas possíveis como “aquelas que se podem realizar pelos nossos esforços; (...) isto inclui as que podem ser postas em prática pelos esforços de nossos amigos, pois que o princípio motor está em nós” (1112b28).

O Sopro: “O homem é o principio motor das ações” (1112b31).

Objeto de escolha: “aquilo por que nos decidimos em resultado da deliberação” (1113a3), da reflexão de como agir. Deliberamos para escolher o bem. “A escolha é um desejo deliberado de coisas que estão ao nosso alcance” (1113a10).

Cap. IV O Desejo

O desejo tem por objeto o fim (1113a15), um bem aparente para cada pessoa em particular. Mas para o homem bom, o bem é absoluto. Só ele “aquilata toda classe de coisas com acerto, e em cada uma delas a verdade lhes parece com clareza”. É assim capaz de “perceber a verdade em cada classe de coisas como quem é delas a norma e a medida” (1113a30).

Cap. V Meio e Fim

O Fim: aquilo que desejamos, o Bem;

O Meio: “aquilo acerca do qual deliberamos e que escolhemos” (1113b5).

Depende de nós o agir e o não agir. Acertar entre dois vícios o alvo, a ação reta, voluntária, num contínuo exercício das virtudes em direção ao belo. Em Aristóteles o homem assume essa responsabilidade racional, voluntária e, acima de tudo, efetiva, da atividade, do fato sendo realizado: “depende de nós praticar atos nobres ou vis, e se é isso que se entende por ser bom ou mau, então depende de nós sermos virtuosos ou viciosos” (1113b10).

Ação voluntária: o princípio está no agente e o agente conhece as circunstâncias nas quais a ação ocorre. “Os atos cujos princípios motores se encontram em nós devem estar em nosso poder e ser voluntários” (1113b20). Por conta disso, os vícios da alma e do corpo são voluntários, “ao passo que ninguém censura os que são feios por natureza, censuramos os que o são por falta de exercício e de cuidado” (1113b25).

Formação do caráter: é no exercício diário, atuando sobre objetos particulares, que forjamos nosso caráter. E é nossa disposição de ânimo que revela o quanto somos responsáveis pelo bom ou mau que visamos como fim. Segundo Aristóteles, “todos os homens desejam o bem aparente, mas não têm nenhum controle sobre a aparência; e que o fim se apresenta a cada um sob uma forma correspondente ao seu caráter” (1113b32);

A boa estirpe: julgar com acerto e saber escolher o que é verdadeiramente bom não é fácil; e essas coisas nem podemos adquiri-las ou aprende-las de outro. Mas, sim, recebe-las com agrado como um dote da natureza, pois “ser bem e nobremente dotado dessa qualidade é a perfeição e a cúpula de ouro dos dotes naturais” (1114b10).

A virtude é voluntária (assim como o vício), pois somos responsáveis por nossas disposições de caráter: “ao homem bom e ao mau, o fim aparece e se estabelece naturalmente ou de qualquer modo” (...) “algo todavia também depende dele; (...) uma vez que o homem bom adota voluntariamente o meio, a virtude é voluntária – o vício não será menos voluntário” (1114b15).

As virtudes são meios (em ação) e disposição de caráter. Quanto aos meios, no que depender de nós, tendemos a agir de acordo com a regra justa, assim como está “em nosso poder agir ou não agir de tal maneira” (1115a).



*ARISTÓTELES (348-322 a.C). Metafísica : livro 1 e livro 2 ; Ética a Nicômaco ; Poética ; seleção de textos de José Américo Motta Pesanha ; trad. Vincenzo Cocco; -- São Paulo : Abril Cultural, 1979. (Os pensadores).
ZINGANO, Marco. Aristóteles : tratado da virtude moral ; Ethica Nicomachea I 13 - III 8, Obras comentadas. -- São Paulo : Odysseus Editora, 2008.


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