Lógica para principiantes - Intelecção por Abstração [1]
£25) Abstração: as
intelecções dos universais se dão por abstração. A matéria e a forma
apresentam-se sempre misturadas, mas a razão do espírito tem o poder de:
1. Considerar a matéria por si mesma;
2. Dirigir a atenção só para a forma;
3. Conceber ambas misturadas.
Os dois primeiros são por abstração, pois
abstraem algo dos que estão reunidos para considerar sua própria natureza, mas
o terceiro é por conjunção (p Λ q). A substância deste homem tanto é corpo,
animal, e homem, como revestida de formas infinitas. Quando dirijo a atenção
para ela na essência material da substância, afastadas todas as formas,
tenho uma intelecção por abstração. As intelecções por abstração atentam
para a matéria por si mesma ou para forma separadamente, atenta para ela
apenas enquanto ela tem este algo, dirige-se a esse algo, não ao modo de
subsistir. De fato, a coisa não tem apenas isso, mas é atentada apenas como
tendo. O modo de inteligir é diferente do modo de subsistir.
Se alguém intelige a coisa de modo diferente do que
ela se apresenta, que atente para ela uma natureza ou propriedade que ela não
tem, essa intelecção é vazia.
£26) A união e divisão
das coisas em dois sentidos:
1.
Certas coisas estão unidas entre si por semelhança (dois homens, dois
gramáticos);
2.
Unidas por aposição e agregação (forma/matéria, vinho/água).
A intelecção
concebe como divididas de um modo e unidas de outro, compondo os separados e
desunindo os compostos, sem se afastar da natureza da coisa, mas percebendo
apenas aquilo que está na natureza da coisa.
£27) A
intelecção dos universais é feita por abstração.
Em 'homem' não associamos imediatamente todas as naturezas ou propriedades que
ao termo está subordinada, mas por meio de 'homem' temos apenas uma concepção
confusa, não distinta, de animal e de racional mortal, não, porém, dos
demais acidentes. Assim também acontece com a intelecção dos singulares,
tipo 'este homem', quando atento apenas para a natureza do homem, mas referida
a um certo sujeito.
A intelecção dos universais é denominada isolada,
nua e pura:
1.
‘Isolada’ das
sensações, pois não percebe a coisa como sensível;
2.
‘Nua’, quanto à
abstração de todas ou algumas formas;
3.
‘Pura’, quanto à
distinção porque nenhuma coisa, matéria ou forma, é certificada nela, razão
pela qual temos apenas uma concepção confusa da coisa.
1. Se
os gêneros e espécies subsistem, isto é, significam algo verdadeiramente
existente ou estão postos apenas na intelecção, na opinião vazia sem a coisa,
tal como esse nome ‘Quimera’ (cabeça de leão, corpo de cabra e cauda de
dragão).
Significam pela denominação coisas verdadeiramente
existentes, as mesmas que os nomes singulares e que, de modo algum, estão
colocadas numa opinião vazia, sendo inteligidos de modo isolado, nu e puro. O
discurso dialético gira em torno de duas questões:
a) se são ou não são verdadeiros ou só existem
na mente;
b) se estão colocados ou não nas intelecções
isoladas, nuas e puras.
2. Se
subsistem são corpóreos ou incorpóreos. Segundo Boécio, tudo que
é, ou é corpóreo ou incorpóreo, quer tomemos tais nomes por 1. corpo
substancial ou 2. não-corpo, quer aquilo que pode ser percebido por um 3. sentido
corpóreo (homem, madeira, brancura), ou não pode (Deus, alma, justiça).
Uma vez que significam subsistente (incorpóreos),
significam separados ou não-separados dos sensíveis? Ou melhor, quais
destes são significados pelos universais?
a. Os
corporais separados na sua essência.
b. Os
incorporais quanto à designação do nome universal, porque não os
denominam separada e determinadamente, mas confusamente. Por isso os próprios
nomes universais serem chamados corpóreos quanto à natureza das
coisas e incorpóreos quanto a significação,
porque, embora denominem o que é separado, não o denominam separada e
determinadamente.
£29) 3. Os
incorpóreos, de certo modo, dividem-se por ser e não
ser nos sensíveis. Diz que os universais subsistem nos sensíveis,
isto é, que há substância intrínseca existente na coisa sensível em virtude das
formas exteriores e, que significando essa substância que subsiste em ato na
coisa sensível, manifestam-se, contudo, como naturalmente separada da
coisa sensível.
Boécio afirma que os gêneros e
espécies inteligem-se, mas não são à parte dos sensíveis. Racionalmente são
vistas à parte de toda sensibilidade, porque poderiam subsistir em si mesmas,
uma vez que as formas exteriores, pelas quais chegam às sensações, tenham sido abstraídas.
Todos os gêneros e espécies encontram-se nas coisas
sensíveis. Mas, porque sua intelecção era sempre chamada
de isolada da sensação, não pareciam estar nas coisas sensíveis, onde permanecem
naturalmente como à parte dos sensíveis.
£30) 4. E
quanto a relacionados com eles (corpóreos e incorpóreos) o nome universal
permanece ainda que destruídas as suas coisas, como o nome da rosa quando já
não perduram mais rosas, o qual ainda é significativo em virtude da intelecção
como vista na proposição 'não há nenhuma rosa'.
Para Abelardo, a definição do universal ou
do gênero ou da espécie inclui apenas palavras e esses nomes são
frequentemente transpostos para as coisas e reciprocamente. Esse tratamento
ambíguo tanto da lógica quanto da gramática frequentemente induz a erros, como
se os vocábulos gênero e espécies não pudessem ser ditos como aquilo que
parecem, seja quanto à significação das coisas ou a intelecção.
£31) Abelardo
novamente alegando contra os universais destaca os argumentos sofísticos de Boécio:
1. “Tudo
que é uno, é uno em número, isto é, separado em sua própria essência”; ora, os
gêneros e as espécies, que devem ser comuns a vários, não podem ser ‘uno’ em
número e, portanto, não podem ser uno.
2.
Todo uno em número comum, ou é comum em suas partes ou todo pela sucessão dos
tempos ou todo no mesmo tempo, mas de tal maneira que não constitui as
substâncias daqueles as quais é comum.
£32) Para
Aberlado, fica evidenciado que os nomes universais não parecem
universais quanto à significação das coisas, quer de uma, quer de
múltiplas, porquanto não significam nenhuma coisa universal, predicável
de vários. Além disso, não podem ser chamados de universais quanto à
significação da intelecção, pois essa intelecção é vazia, porque se apresenta
de modo diferente de como a coisa subsiste, uma vez que se dá por abstração.
A palavra comum,
embora seja em si mesmo como uma coisa una em essência, é comum pela
designação na denominação de muitos, e não de acordo com sua essência, é
predicável de muitos. A universalidade que a coisa confere à palavra, a
própria coisa não a tem em si mesma, porquanto tanto a palavra não tem
significação por causa da coisa quanto um nome é julgado ser denominativo de
acordo com a multidão das coisas, embora não digamos nem que as coisas
significam, nem que são denominativas.
INÍCIO: Pedro Abelardo - Lógica para principiantes I
INÍCIO: Pedro Abelardo - Lógica para principiantes I
[1] ABELARDO,
Pedro: Lógica para principiantes; Trad.: Carlos A. R. do Nascimento. Editora
Unesp, 2ed. São Paulo.
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