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domingo, 8 de junho de 2014

Pedro Abelardo - Lógica para principiantes III


Lógica para principiantes - Intelecção por Abstração [1]

£25) Abstração: as intelecções dos universais se dão por abstração. A matéria e a forma apresentam-se sempre misturadas, mas a razão do espírito tem o poder de:

1. Considerar a matéria por si mesma;
2. Dirigir a atenção só para a forma;
3. Conceber ambas misturadas.

Os dois primeiros são por abstração, pois abstraem algo dos que estão reunidos para considerar sua própria natureza, mas o terceiro é por conjunção (p Λ q). A substância deste homem tanto é corpo, animal, e homem, como revestida de formas infinitas. Quando dirijo a atenção para ela na essência material da substância, afastadas todas as formas, tenho uma intelecção por abstração. As intelecções por abstração atentam para a matéria por si mesma ou para forma separadamente, atenta para ela apenas enquanto ela tem este algo, dirige-se a esse algo, não ao modo de subsistir. De fato, a coisa não tem apenas isso, mas é atentada apenas como tendo. O modo de inteligir é diferente do modo de subsistir.

Se alguém intelige a coisa de modo diferente do que ela se apresenta, que atente para ela uma natureza ou propriedade que ela não tem, essa intelecção é vazia.

£26) A união e divisão das coisas em dois sentidos:

1. Certas coisas estão unidas entre si por semelhança (dois homens, dois gramáticos);
2. Unidas por aposição e agregação (forma/matéria, vinho/água).

A intelecção concebe como divididas de um modo e unidas de outro, compondo os separados e desunindo os compostos, sem se afastar da natureza da coisa, mas percebendo apenas aquilo que está na natureza da coisa.

£27) A intelecção dos universais é feita por abstração. Em 'homem' não associamos imediatamente todas as naturezas ou propriedades que ao termo está subordinada, mas por meio de 'homem' temos apenas uma concepção confusa, não distinta, de animal e de racional mortal, não, porém, dos demais acidentes. Assim também acontece com a intelecção dos singulares, tipo 'este homem', quando atento apenas para a natureza do homem, mas referida a um certo sujeito.

A intelecção dos universais é denominada isolada, nua e pura:

1.     ‘Isolada’ das sensações, pois não percebe a coisa como sensível;
2.     ‘Nua’, quanto à abstração de todas ou algumas formas;
3.     ‘Pura’, quanto à distinção porque nenhuma coisa, matéria ou forma, é certificada nela, razão pela qual temos apenas uma concepção confusa da coisa.

£28) Resolução das questões propostas por Porfírio.

1. Se os gêneros e espécies subsistem, isto é, significam algo verdadeiramente existente ou estão postos apenas na intelecção, na opinião vazia sem a coisa, tal como esse nome ‘Quimera’ (cabeça de leão, corpo de cabra e cauda de dragão).

Significam pela denominação coisas verdadeiramente existentes, as mesmas que os nomes singulares e que, de modo algum, estão colocadas numa opinião vazia, sendo inteligidos de modo isolado, nu e puro. O discurso dialético gira em torno de duas questões:

a) se são ou não são verdadeiros ou só existem na mente;
b) se estão colocados ou não nas intelecções isoladas, nuas e puras.

2. Se subsistem são corpóreos ou incorpóreos. Segundo Boécio, tudo que é, ou é corpóreo ou incorpóreo, quer tomemos tais nomes por 1corpo substancial ou 2. não-corpo, quer aquilo que pode ser percebido por um 3. sentido corpóreo (homem, madeira, brancura), ou não pode (Deus, alma, justiça).

Uma vez que significam subsistente (incorpóreos), significam separados ou não-separados dos sensíveis? Ou melhor, quais destes são significados pelos universais?

a. Os corporais separados na sua essência.
b. Os incorporais quanto à designação do nome universal, porque não os denominam separada e determinadamente, mas confusamente. Por isso os próprios nomes universais serem chamados corpóreos quanto à natureza das coisas e incorpóreos quanto a significação, porque, embora denominem o que é separado, não o denominam separada e determinadamente.

£29) 3. Os incorpóreos, de certo modo, dividem-se por ser e não ser nos sensíveis. Diz que os universais subsistem nos sensíveis, isto é, que há substância intrínseca existente na coisa sensível em virtude das formas exteriores e, que significando essa substância que subsiste em ato na coisa sensível, manifestam-se, contudo, como naturalmente separada da coisa sensível.

Boécio afirma que os gêneros e espécies inteligem-se, mas não são à parte dos sensíveis. Racionalmente são vistas à parte de toda sensibilidade, porque poderiam subsistir em si mesmas, uma vez que as formas exteriores, pelas quais chegam às sensações, tenham sido abstraídas.

Todos os gêneros e espécies encontram-se nas coisas sensíveis. Mas, porque sua intelecção era sempre chamada de isolada da sensação, não pareciam estar nas coisas sensíveis, onde permanecem naturalmente como à parte dos sensíveis.

£30) 4. E quanto a relacionados com eles (corpóreos e incorpóreos) o nome universal permanece ainda que destruídas as suas coisas, como o nome da rosa quando já não perduram mais rosas, o qual ainda é significativo em virtude da intelecção como vista na proposição 'não há nenhuma rosa'.

Para Abelardo, a definição do universal ou do gênero ou da espécie inclui apenas palavras e esses nomes são frequentemente transpostos para as coisas e reciprocamente. Esse tratamento ambíguo tanto da lógica quanto da gramática frequentemente induz a erros, como se os vocábulos gênero e espécies não pudessem ser ditos como aquilo que parecem, seja quanto à significação das coisas ou a intelecção.

£31) Abelardo novamente alegando contra os universais destaca os argumentos sofísticos de Boécio:

1. “Tudo que é uno, é uno em número, isto é, separado em sua própria essência”; ora, os gêneros e as espécies, que devem ser comuns a vários, não podem ser ‘uno’ em número e, portanto, não podem ser uno.

2. Todo uno em número comum, ou é comum em suas partes ou todo pela sucessão dos tempos ou todo no mesmo tempo, mas de tal maneira que não constitui as substâncias daqueles as quais é comum.

£32) Para Aberlado, fica evidenciado que os nomes universais não parecem universais quanto à significação das coisas, quer de uma, quer de múltiplas, porquanto não significam nenhuma coisa universal, predicável de vários. Além disso, não podem ser chamados de universais quanto à significação da intelecção, pois essa intelecção é vazia, porque se apresenta de modo diferente de como a coisa subsiste, uma vez que se dá por abstração.

A palavra comum, embora seja em si mesmo como uma coisa una em essência, é comum pela designação na denominação de muitos, e não de acordo com sua essência, é predicável de muitos. A universalidade que a coisa confere à palavra, a própria coisa não a tem em si mesma, porquanto tanto a palavra não tem significação por causa da coisa quanto um nome é julgado ser denominativo de acordo com a multidão das coisas, embora não digamos nem que as coisas significam, nem que são denominativas.

INÍCIO: Pedro Abelardo - Lógica para principiantes I



[1] ABELARDO, Pedro: Lógica para principiantes; Trad.: Carlos A. R. do Nascimento. Editora Unesp, 2ed. São Paulo.

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