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sexta-feira, 17 de outubro de 2014

René Descartes, Meditação III (parag. 29-42) - Criação e Conservação


Na Terceira MeditaçãoDescartes procura "provar" a existência de Deus. Faz três demonstrações: Luz da Razão, Princípio de Causalidade e Criação e Conservação. Neste fiched apresentaremos, em duas etapas, a terceira demonstração: Criação e Conservação:

Primeiramente, o filósofo aplica o Princípio de Causalidade ao homem (o efeito). Compara essa relação a "uma máquina [qualquer] muito artificial cuja ideia se encontra no espírito de qualquer operário". Assim como o "artifício objetivo dessa ideia (...), a ciência do obreiro" revela-se em seus efeitos, sua obra, também nos mostra como "é impossível que a ideia de Deus que em nós existe não tenha o próprio Deus por sua causa" (DESCARTES, 1983, 81).

Em seguida, determina a natureza do tempo de Deus (Ato): em um mesmo instante, criação e conservação, origem e existência no efeito, o homem. Deus, "virtude de ser e existir por si" (parág. 35), e a ideia de que este ser "soberanamente perfeito, isto é, Deus, é em mim". (parág. 37).

Criação e Conservação: um segundo caminho para o valor objetivo das ideias a partir dos efeitos conservados no homem.

29) Nova comprovação da existência de Deus a partir dos efeitos que se apresentam no homem: Deus (racional), princípio de causalidade, sentido de um ser que provém a partir de uma luz natural; o indefinido (homem) demandado pelo infinito (pura perfeição natural, deus racional), que instrui o ser finito e imperfeito (o homem) obscurecido pelos sentidos, ou seja, "a ideia que tenho de um ser mais perfeito que o meu", (...) "colocada em mim [necessariamente] por um ser de fato mais perfeito" e infinito.

30) Descartes põe a Causa em questão: se "essa ideia de Deus poderia existir no caso de não haver Deus" (...) "de quem tirarei minha existência?" (...) "de mim mesmo", "meus pais", "outras causas" ?

Duas Hipóteses:
31) 1. Se eu existo por minha causa: dúvida herética: "e fosse eu próprio o autor de meu ser"?

32) Hipótese absurda que demanda análise lógica. Em resumo, "quem pode o mais pode o menos" (...) "Logo, como não posso produzir o menos (as perfeições de que eu tenho ideia), não posso produzir o mais (ser o autor do meu ser)". Se eu fosse o autor da minha existência, criador de minha própria substância, eu não teria me privado dos conhecimentos "de que minha natureza está despojada" (todas as coisas que estão contidas na ideia de Deus), meros acidentes de minha substância.

Na segunda hipótese, no mesmo momento, a criação e a conservação (o efeito conservado), a necessidade de "que neste momento alguma causa me produza e me crie", (...), "novamente, isto é, me conserve".

33) 2. Se eu existo sem causa ("tenha sido sempre como sou até agora"): "Admitamos que eu exista sem causa. A descontinuidade e a independência dos momentos do tempo invalidam de pronto essa hipótese, porquanto implicam a necessidade para mim de ser conservado, em cada instante, por uma causa". Logo, "é necessário que Deus seja o autor da minha existência".

34) A natureza do tempo que nos impõe, num mesmo instante, a criação e a conservação: "uma substância para ser conservada em todos os momentos de sua duração, precisa do mesmo poder e da mesma ação, que seria necessária para produzi-la e cria-la de novo".

Conclusão sobre o efeito conservado no homem: "Já que eu sou apenas uma coisa pensante", se um tal poder capaz de fazer com "que eu, que sou agora, seja ainda no futuro", ou seja, com alguma faculdade capaz de produzir a mim próprio, (...) "decerto eu deveria ao menos pensá-lo e ter conhecimento dele: mas não sinto nenhum poder em mim". Logo, "dependo de algum ser diferente de mim".

35) Um segundo momento da prova: este ser que dependo não poderá ter outras causas menos perfeitas que Deus (criação e conservação), pois "é uma coisa evidente que deve haver ao menos tanta realidade na causa quanto em seu efeito" (...) "ela deve ser de igual modo uma coisa pensante e possui em si a ideia de todas as perfeições que atribuo à natureza divina" (princípio de causalidade). Essa causa última existe, ela é Deus:

1. Deus (ser e existir), "virtude de ser e existir por si";
2. Deus (origem e conservação na existência), "tira sua existência de uma outra causa diferente de si" (...) "até que gradativamente se chegue a uma última causa que se verificará ser Deus" (...) "que me conserva presentemente".

36) Deus Uno. Descartes, como um bom geômetra, discute o Todo e as partes:

1. As partes: "Talvez muitas causas juntas tenham concorrido em parte para me produzir" (...) "de sorte que todas essas perfeições se encontrem na verdade em alguma parte do universo, mas não se acham juntas e reunidas em uma só que seja Deus"

2. O Todo: (...) "ao contrário, a unidade da simplicidade ou a inseparabilidade de todas as coisas que existem em Deus é uma das principais perfeições que concebo existentes nele".

37) Segunda Verdade (Deus é em mim): "meus pais (...) apenas puseram alguma disposição nessa matéria (...) na qual (...) meu espírito - a única coisa que considero atualmente como eu próprio - se acha encerrado". Logo, eu existo e Deus (causa em si, autor do meu ser e soberanamente perfeito) está em mim: "pelo simples fato de que eu existo e de que a ideia de um ser soberanamente perfeito, isto é, Deus, é em mim [em um mesmo instante, Ato], a existência de Deus está mui evidentemente demonstrada"

38) Deus ideia Inata: Esta ideia, 1. "não a recebi dos sentidos" (que recebe coisas que se apresentam contrárias às suas expectativas); 2. "Não é também uma pura produção ou ficção do meu espírito; pois não está em meu poder diminuir-lhe ou acrescentar-lhe coisa alguma". 3. "Ela nasceu e foi produzida comigo desde o momento em que fui criado".


39) Considerações finais: (...) "Deus [a causa], ao me criar (...) posto em mim essa ideia (...) a marca do operário impressa em sua obra" (...) pelo simples fato de Deus me ter criado (...) à sua imagem e semelhança (...) e que eu conceba essa semelhança (...) por meio da mesma faculdade pela qual me concebo a mim próprio [o efeito] (...) coisa imperfeita, incompleta e dependente de outrem, que tende e aspira incessantemente a algo de melhor e de maior do que sou (...) aquele de quem dependo possui em si todas essas grandes coisas a que aspiro e cujas ideias encontro em mim, não indefinidamente e só em potência, mas que ele a desfruta de fato, atual e infinitamente [em Ato] e, assim, que ele é Deus". 

"Deus (...) do qual existe uma ideia em mim (...) que possui todas essas perfeições de que nosso espírito pode possuir apenas alguma ideia, sem, no entanto, compreendê-las (...) que não é sujeito a carência alguma e que nada tem de todas as coisas que assinalam alguma imperfeição".

1. Primeira Verdade (a causa): Deus máxima realidade objetiva, "Causa de si, autor do meu ser e soberana perfeição";
2. Segunda Verdade (o efeito): "a ideia de um ser soberanamente perfeito", Deus, existe em mim.

40) Ele não é embusteiro, o embuste demanda carência. Logo, Deus existe. Deus não é embusteiro.

41) Neste penúltimo parágrafo, uma pausa. Momento de oração reflexiva aproveitando todos os maravilhosos atributos divinos aqui esclarecidos. Neste ponto, Descartes parece comprometido com as consequências de sua publicação. As mesmas lareiras medievais que reuniam pensadores e pensamento aqueciam e queimavam à memoria de Giordano Bruno (1548-1600).

42) Argumento de fé. Momento de gozo, de apreciação, de contemplação da Majestade divina.

Continua: René Descartes, Meditação IV
Texto Anterior: René Descartes, Meditação III (parag. 15-28) - Princípio de Causalidade.
Texto Completo: René Descartes (1596 - 1650)
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[1] Descartes, René (1596-1650). Meditações; introdução de Gilles-Gaston Granger; prefácio e notas de Gérard Lebrun; tradução de J. Guinsburg e Bento Prado Junior. - 3. Ed. - São Paulo : Abril cultural, 1983. Os Pensadores.

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