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terça-feira, 28 de abril de 2015

Crença, Verdade e Justificação - Por que podemos dizer que conhecimento é crença verdadeira justificada?


Para que não fiquemos à deriva num mar de opiniões comuns (mar de doxa), a grande nau do conhecimento científico, trazendo consigo toda a carga da herança humana, visando atracar alhures, no tranquilo porto das certezas absolutas, divinal baía do aconchego e repouso eterno, impõe aceleradamente seu duro casco, forte e firme composto de sólidas vigas argumentais, no sentido norte. 

Em ritmo alucinado, avança varando vagas descontínuas, navegando sobre correntes de ocorrências proposicionais, no ímpeto de alcançar porto seguro. Nele, a glória, o domínio, a paz da redentora verdade justificada pelo método preciso, porquanto observou determinadas sequências lógicas, permeadas por regras pré-estabelecidas, leis para o ordenamento dos sentidos e da percepção que possibilitou – com ratificada segurança – trazê-los ali. Ou não? 

Mas, será possível alcançar as águas plácidas da divinal baía do aconchego? Ancorar à beira de seus frondosos sonhos multicoloridos, banhar-se em suas águas límpidas com seus mil prazeres azuis-turquesa? É possível conhecer um lugar assim? Ancoradouro de todas as certezas, marina de todas as verdades? E nós, tão contidos em nossa pequenez rutilante, quando lá chegássemos, reconheceríamos? O conhecimento é possível?


Em Teeteto, Platão destaca a impossibilidade de conhecer o sensível. Segundo ele, “nada existe tal como nos parece” (PLATÃO, p.17). E na esteira de outros grandes pensadores - Protágoras, Heráclito, Empédocles - e não menos os poetas - Epicarmo e Homero - reafirma: “só há movimento” - uma força ativa agindo contra uma força passiva em permanente e recíproca fricção. A coisa apenas nos parece, não existe em si e por si mesmo. O Ser não existe. E como cada coisa só devém, uma em relação à outra, em movimento constante, conhecer não é possível, mas é possível aparentar, crer em alguns de seus aspectos mais persuasivos que insinuam critérios de veracidade. Eis que assim se estabelece a crença (aparências, insinuações de validade), como rota adequada, parte do caminho. É quando então parece possível navegar e avançar sobre o mundo. 

Mas Platão não se contenta com a crença, busca fidelizar a representação. E para maior precisão, insinua, através de Sócrates, a necessidade de uma investigação mais cuidadosa, a possibilidade de aceitar a opinião de uma “autoridade” comprovada em um assunto qualquer ou mesmo reconhecer a força de uma opinião comum, aderindo à validade de uma noção mais refletida - não necessariamente com validade objetiva – mas apenas o reconhecimento de um princípio, uma crença referenciada que agora passa a se estabelecer sob o epiteto de um novo paradigma, o de crença verdadeira, como um porto provável em parte do caminho. Nele, depositaremos deliberada e voluntariamente nosso espírito para um breve descanso.


Contudo, a crença, ainda que verdadeira, pode não parecer o bastante quando urge a precisão do fato, a certeza prática. A natureza transitiva da crença não permite uma maior objetividade para uma ação consistente, efetiva ou pontual. É preciso coloca-la à prova, justifica-la. É quando se torna necessário depurar a crença, dela extrair ou afastar o conhecimento verdadeiro, capturar a proposição correta (V) ou (F), aquela de natureza científica, clara e objetiva, em oposição à opinião infundada ou irrefletida. 

Ainda dois mil anos após Platão, insiste o filósofo inglês William K. Clifford em dizer que é "incorreto acreditar com base em indícios insuficientes, ou acalentar crenças suprimindo as dúvidas e evitando a investigação" (CLIFFORD, 2010, p. 103)

Navegar é preciso assim como é preciso fundamentar cada vez mais a crença nossa de cada dia, justificando suas assertivas na tentativa de alcançar o conhecimento verdadeiro, o sentido absoluto, aquele que procura nos escapar sempre que dele nos aproximamos. É preciso retê-lo com as amarras de uma boa justificativa. Já não basta que seja crença, é preciso que seja verdadeira e, não o bastante: justificada. É necessário que o conjunto dos argumentos apresentados a seu favor seja o mais coerente, claro, objetivo, posto à vista - como que chegado ao porto de nossas calmarias - tocado pelo espírito. E só então poderemos dizer que é possível o conhecimento.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
PLATÃO. Teeteto. Trad. Carlos A. Nunes. Belém : Versão eletrônica digitalizada pelos membros do grupos de discussão Acrópolis (Filosofia);
____. Ménon / Platão ; texto estabelecido e anotado por John Burnet; tradução de Maura Iglésias, Rio de Janeiro ; Ed. PUC-Rio ; Loyola, 2011;
SEXTO EMPÍRICO (2000). “Dos Cinco Modos de Agripa”. Tradução livre a partir de Outlines of Scepticism [Hipotiposes Pirrônicas]. Trad. J. Annas e J. Barnes. Second Edition. Cambridge : Cambridge University Press, 2000 (HP 164-177);
DESCARTES, René. Meditações;  introdução de Gilles-Gaston Granger; prefácio e notas de Gérard Lebrun; trad. de J. Guinsburg e Bento Prado Junior - 3. Ed. - São Paulo : Abril Cultural, 1983. Os Pensadores;
CLIFFORD, William K. (1879). “A Ética da Crença”. In: MURCHO, Desidério (org.). A Ética da Crença. Trad. V. Guerreiro. Lisboa : Editorial Bizâncio, 2010, pp. 97-136. (*);
GETTIER, Edmund L. (1963). “É a Crença Verdadeira Justificada Conhecimento?”. Trad. CéliaTeixeira. Disponível no site http://criticanarede.com/epi_gettier.html.

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